As Aventuras de Tintim, Repórter do Le Petit Vingtième, No País dos Sovietes é o título da aventura que deu origem a um dos personagens mais queridos da história dos quadrinhos. Escrita e desenhada pelo belga
Hergé, a história foi originalmente publicada entre 10 de janeiro de 1929 e 8 de Maio de 1930, no suplemento infanto-juvenil
Le Petit Vingtième. Nesta primeira aventura, Tintim, já ao lado do inseparável Milu, é apresentado como um jovem e corajoso repórter em viagem à Rússia comunista.
Sinopse
Tintim, um repórter do Le Petit Vingtième, e seu cachorro Milu, são enviados em missão para a União Soviética. Partindo de Bruxelas, seu trem explode a caminho de Moscou por um agente secreto da polícia soviética, a OGPU. Ele sobrevive, mas é acusado pelas autoridades de Berlim pelo "acidente".

Preso e levado para uma câmara de tortura, Tintim consegue escapar e roubar um carro, passando por várias aventuras até finalmente chegar a Moscou. Entre outros absurdos, Tintim observa uma eleição onde as pessoas são obrigadas a votar no partido comunista, descobre que as fábricas supostamente produtivas são apenas uma farsa dos sovietes, e que as autoridades do país maltratam crianças famintas.

Preso por ajudar as vítimas da ditadura, ele consegue escapar mais uma vez e se depara com as riquezas que
Stalin,
Lenin e
Trotsky roubam do povo soviético (incluindo trigo, vodka e caviar). Na tentativa de fugir da Rússia e denunciar aquelas barbaridades, Tintim enfrenta por uma última vez os agentes da OGPU. Finalmente retornando à Bélgica, o destemido repórter é recebido com grande pompa pelo público, que o aguarda na Grand Place de Bruxelas.
Histórico

Em 1928, Hergé, então editor-chefe do Petit Vingtième, já pensava em criar um novo personagem de quadrinhos. A oportunidade surgiu quando
Norbert Wallez, diretor do jornal, lhe encomendou uma história que envolvesse um adolescente e um cachorro. Wallez, um padre de ideologia direitista, queria um personagem que pudesse mostrar aos jovens belgas a situação da URSS e denunciar os males do comunismo. Hergé idealizou um repórter que viajaria para fazer suas matérias, e decidiu: "Para sua primeira viagem, a coisa que me pareceu mais importante na época era o país cujos ecos terríveis e muitas vezes contraditórios chegavam até nós, que era a Rússia soviética".
Nos primeiros dias de janeiro de 1929, o Vingtième Siècle publicou a
ilustração de um jovem muito parecido com o já conhecido
Totor, vestindo calças de golfe quadriculadas e acompanhado por um
fox-terrier. No fundo, a silhueta de uma construção russa, e na legenda, a seguinte mensagem: “Acompanhem, a partir da próxima quinta-feira, as extraordinárias aventuras de Tintim, o repórter, e do seu cachorro, Milu, no País dos Sovietes”.

Poucos dias depois, em 10 de janeiro de 1929, começou a ser publicada a primeira de muitas aventuras do repórter Tintim e seu fiel cãozinho Milu. A cada semana o jornal publicava duas páginas, gerando uma história de 69 episódios.
A HQ fez tanto sucessos entre jovens e adultos da Bélgica que, para marcar sua conclusão, em 8 de Maio de 1930, o Petit Vingtième preparou um grande evento.

O jornal contratou
Lucien Pepermans, um escoteiro de 15 anos, para representar a chegada do repórter a Bruxelas, e convidou os leitores por meio de um
anúncio a comparecerem na Gare du Nord, às 16 horas.
A "chegada" de Tintim contou com uma grande multidão de fãs, além da presença de Hergé, que se reuniram no local anunciado para receber o herói que havia mostrado toda a “verdade” sobre o “milagre soviético”. A cena foi incluída no álbum, lançado naquele mesmo ano.
Propaganda Anticomunista
Os soviéticos tentavam passar para o mundo fora da Rússia uma imagem de potência em constante crescimento econômico - e de fato o era, segundo historiadores. Desmentir este fato se tornou um alvo particular de Hergé. Mas, como o desenhista nunca teve a oportunidade de visitar o país - e àquela altura não havia nenhuma possibilidade de fazer isso -, ele teve de se basear em informações de terceiros. Segundo
Benoît Peeters, a única referência utilizada por Hergé foi o livro
Moscou sans voiles (1928,
Moscou sem véu, em livre tradução) de
Joseph Douillet, ex-cônsul belga que viveu e trabalhou durante nove anos na Rússia soviética.

No livro, Douillet ataca duramente o comunismo e o governo soviético, e esse mesmo espírito crítico acaba ficando evidente no álbum. Sem outras fontes à disposição, Hergé chegou a reproduzir passagens inteiras do livro, como a cena das "eleições democráticas", onde os habitantes de uma aldeia são coagidos pelos soldados armados a votar no partido comunista.

Dica: para saber mais sobre a propaganda anticomunista no primeiro álbum de Tintim, leia o artigo "Pardieiro infecto": a representação da Rússia em
Tintim no País dos Sovietes, clicando aqui.
Estilo

As primeiras imagens mostram um Tintim diferente do que estamos acostumados hoje - na primeira página, por exemplo, o repórter não tem nem mesmo seu famoso topete. Contudo, o design do personagem é refinado durante a aventura, bem como sua personalidade. O texto de Hergé também é bastante primário, carecendo de fontes precisas e detalhes mais realísticos - que se tornariam comuns em sus obras posteriores. Ele mesmo afirmou, mais tarde, que havia sido muito ingênuo nessa história.
Por causa do tipo de publicação (duas páginas por semana), a história é basicamente uma série mini-aventuras, intercaladas com as denúncias do totalitarismo soviético. Ao final de cada página, Tintim está sempre em perigo, a fim de manter o suspense para a próxima. A cada semana, portanto, o trabalho de Hergé consistia em livrar Tintim do perigo anterior e iventar um novo.
Publicação

Tintim no País dos Sovietes foi publicado pela primeira vez como álbum em 1930. Apesar do sucesso, a insatisfação de Hergé com os detalhes negativos da obra o levou a retirá-la de circulação na década de 1930. Nos anos 1950, o autor continuava sem nenhum interesse na re-publicação do álbum, mas a editora
Casterman o pressionou a autorizar novas reedições, para fazer frente às edições piratas que estavam surgindo. Só depois de muitos anos após a morte do autor, o álbum voltou a ser publicado orgulhosamente como o número um da coleção de Tintim.
Em 1973, foi lançada, como parte de
Les Archives d'Hergé, uma edição
fac-símile, que imediatamente se tornou um
best-seller (100.000 exemplares vendidos só naquele ano). Já em 1999, no 70º aniversário da obra, a Casterman, com autorização da
Fundação Hergé, publicou o álbum em preto e branco. Dessa forma, mesmo contra a vontade do já falecido Hergé, No País dos Sovietes entrou de vez no cânon oficial de Tintim.
Curiosidades
.:
Tintim no País dos Sovietes foi o único álbum de Hergé (excluindo Tintim e a Alfa-Arte) que não ganhou uma nova versão, em cores.
.: Neste álbum Tintim aparece pela primeira e única vez escrevendo um artigo de jornal. Veja a cena
aqui.
.: Este é o primeiro dos três únicos álbuns onde
Tintim aparece bêbado - os outros são
O Caranguejo das Tenazes de Ouro e
O Ídolo Roubado.
.: Vários personagens, em sua maioria anônimos, participam da história. Mas, além de Tintim e Milu, nenhum outro aparece nos demais álbuns do personagem.
.: Entre os poucos personagens secundários que têm seus nomes citados, estão:
.:: Dimitrieff Solowztenxopztzki: Junto com um colega, ele tenta afundar o barco de Tintim, na página 53;
.:: Lulitzosoff: É o homem que captura Tintim na página 93;
.:: Rodrobertine: Apenas o nome é citado, mas sabe-se que é um aviador, visto que Tintim é confundido com ele quando está disfarçado de piloto.
.: O álbum até hoje não foi publicado na Rússia, devido ao conteúdo considerado “anticomunista”. Por este mesmo motivo, 'No País dos Sovietes' também nunca chegou às mãos dos leitores chineses.
.: O êxito desta primeira aventura fará com que Tintim vá depois ao Congo, mas essa já é uma outra história...