O figurante esquecido
O homem que sonhava se encontrar com o capitão
Em outubro de 1962, uma carta dentre as dezenas que recebe a
cada semana atrai a atenção de Hergé. Jean Taussat, leitor de Bordeaux com 19
anos de idade, lhe declara sua obsessão com Tintim, nascida ao ler A Estrela
Misteriosa e simultânea com a paixão pela astronomia. Descreve-lhe também
as “íntimas relações” que parece manter com seus heróis – “Eu os reencontro em
mim como me reencontro neles.” Formula principalmente este pedido: “Na sua
próxima história, você não poderia representar um personagem qualquer, mudo ou
– que felicidade – apertando a mão do capitão ou falando com ele, e que seja
eu? [...] Eu viveria ainda mais intensamente neste mundo inacessível ao vulgar,
ao mal...” Algumas fotos estão anexadas à correspondência.
Surpreso e emocionado, Hergé aceita. “Outros além de você, sem dúvida, ficariam encantados por apertarem a mão do capitão, mas eles não têm suficiente espontaneidade, simplicidade para solicitar um ‘favor’ desse gênero”, responde ele em 8 de novembro de 1962. Duas condições: que o solicitante tenha paciência sem insistir; que guarde o segredo – não se deve dar essa idéia aos outros... Jean Taussat promete e se alegra com essa “transmutação”. “Integro-me graças a você”, escreve, “em uma nova e misteriosa existência, um outro mundo.”
Os anos passam. Hergé não esqueceu, mas a depressão o
consome e seus lapsos de inspiração ficam cada vez mais longos. Em 1965,
trabalhando na sinopse daquilo que se tornaria, bem mais tarde (em 1974), Tintim
e os Pícaros, ele rabisca na margem de um rascunho que pretende batizar um
dos guerrilheiros do general Alcazar com o nome “do rapaz que pediu para ser
representado apertando a mão do capitão”. Finalmente, é nas últimas páginas de Voo
714 para Sydney que ele passa à ação: dá os traços de Jean Taussat ao jornalista
de televisão que entrevista os escapados e... aperta a mão do capitão.
Feliz por lhe anunciar que manteve a promessa, o pai de
Tintim dirige ao seu admirador, em 14 de dezembro de 1967, uma tiragem da
página. Nunca receberá um agradecimento. No fim da paciência, devorado por seu
sonho e seu segredo, perdido na vida real da qual queria escapar, Taussat
morreu faz tempo: matou-se com um tiro de revólver, em 8 de novembro de 1965,
três anos dia por dia após a resposta favorável de Hergé. O desenhista faleceu
sem nada ficar sabendo do drama íntimo que seus heróis, muito
involuntariamente, haviam provocado. E os leitores de Voo 714 jamais
souberam da existência daquele estranho passageiro clandestino.
O texto acima foi traduzido e enviado ao Tintim por Tintim pelo leitor Ronald Kyrmse, e publicado na íntegra. O relato sobre Jean Taussat foi confirmado pelo próprio Hergé e por biógrafos do autor, como Philipe Goddin, em seu livro "Hergé, Lignes de Vie".
Triste, trágico e assustador. É difícil entender como algumas pessoas chegam ao ponto de confundir tanto realidade e fantasia. Se soubesse da gravidade da situação do rapaz, certamente Hergé teria atendido ao seu pedido antes. E o rapaz teria, "em vida", apertado a mão do Capitão...
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